Biofilmes e POPs: o efeito dos microplásticos nos oceanos
- GEAS Brasil
- há 2 dias
- 4 min de leitura
Vivemos na “era do plástico”, com uma produção anual que chega a dezenas de milhões de toneladas. A maior parte desses resíduos acaba em aterros sanitários ou de volta no meio ambiente. A durabilidade e a lenta degradação dos plásticos – que podem levar séculos para se decompor – contribuem para a formação e acúmulo de microplásticos (MPs).
Por sua vez, estes MPs se dispersam no meio ambiente, tanto em ambientes terrestres quanto marinhos (SIDDIQUE, 2025). Os microplásticos são geralmente considerados assim quando suas partículas são menores que 5 mm. Estas pequenas partículas podem ser introduzidos diretamente no ambiente marinho, por exemplo, no formato de microesferas, presentes em cosméticos e abrasivos industriais, ou ainda, originar-se por meio da fragmentação de resíduos plásticos maiores, como no processo de degradação de embalagens diversas. Devido à crescente produção global de plástico, uma fração considerável desses resíduos acaba sendo depositada no ambiente marinho. Isto se dá visto que grandes quantidades de embalagens e outros itens de plástico são frequentemente descartados em praias, onde a exposição direta à radiação ultravioleta, altas temperaturas e abrasão favorecem a formação e propagação de micropartículas a partir do desgaste do material plástico inicial.
Diferentes tipos de plásticos, como polietileno de baixa e alta densidade, polipropileno, poliestireno e PVC, têm propriedades físicas distintas - como densidade e resistência - que determinam seu comportamento na coluna de água, sua flutuabilidade e destino ambiental (ANDRADY, 2011; SIDDIQUE, 2025). A grande quantidade de microplásticos no meio ambiente não representa apenas um problema de poluição física, mas também representa um problema quanto ao acúmulo de poluentes orgânicos persistentes (POPs) e biofilmes (ANDRADY, 2011; VIRSEK, 2017; MATOS, 2023; SIDDIQUE, 2025).
Além dos microplásticos, os poluentes orgânicos persistentes (POPs) são substâncias químicas toxicologicamente preocupantes para a saúde humana e para o ambiente. Estas substâncias são capazes de ser bioacumuladas em tecidos de organismos vivos e ainda ser transportadas por longas distâncias. É comum que estes POPs sejam encontrados em ambientes muito distantes de onde foram utilizados (ANDRADY, 2011). Alguns estudos conduzidos em ilhas oceânicas brasileiras têm registrado a presença dessas substâncias nos tecidos e sangue de aves marinhas, como um reflexo direito de alterações no ambiente (DIAS et al, 2013). Os microplásticos possuem característica hidrofóbica, o que facilita a concentração destas substâncias tóxicas, geralmente presentes em baixas concentrações no ambiente aquático, como no mar. Esses contaminantes, como bifenilas policloradas (PCBs), diclorodifeniltricloroetanos (DDTs), e hidrocarbonetos poliaromáticos (PAHs), podem se acumular em níveis muito elevados nos microplásticos, representando uma fonte potencial de toxicidade para os organismos marinhos que os ingerem, além de serem acumulados através da cadeia alimentar (ANDRADY, 2011; MATOS, 2023).
Já os biofilmes são comunidades organizadas de microrganismos, como bactérias, fungos, protozoários e algas, que se aderem a superfícies e se envolvem em uma matriz de polímeros extracelulares (VIRSEK, 2017). Essa matriz, composta principalmente por água, polissacarídeos, proteínas e DNA extracelular, atua como um escudo protetor, permitindo que os microrganismos sobrevivam em condições adversas (NASCIMENTO; SENA, 2017). Os microplásticos também servem como superfície de formação de biofilmes, criando nichos ecológicos que podem favorecer a colonização por microrganismos, incluindo patógenos fortemente prejudiciais aos organismos aquáticos (VIRSEK et al, 2017; SIDDIQUE, 2025).
Um exemplo são as Aeromonas, gênero de bactérias com potencial causador de septicemia hemorrágica e furúnculo em peixes, e facilmente encontrado em partículas de microplástico (VIRSEK, 2017). Além da disseminação e concentração de patógenos, a formação de biofilmes nas partículas de microplástico está fortemente relacionada à emergência da resistência bacteriana a antibióticos. Os biofilmes favorecem a transferência horizontal de genes de resistência, facilitando a disseminação de bactérias resistentes (SIDDIQUE, 2025).
Dado que a geração de microplásticos ocorre predominantemente na interface entre o ambiente terrestre e marinho – como nas praias –, a limpeza dessas áreas pode ser uma estratégia eficaz para reduzir a formação de microplásticos (ANDRADY, 2011). A remoção dos grandes detritos plásticos antes que sejam degradados e fragmentados pode ter um impacto positivo não apenas na estética das praias, mas também na saúde dos ecossistemas marinhos. Cada um desses pontos destaca a complexidade dos processos que levam à formação dos microplásticos e as consequências ambientais associadas. Esse entendimento é fundamental para desenvolver estratégias de mitigação e gerenciamento mais eficazes para a poluição marinha por plásticos.
Autor/a: Amanda de Castro - Vice-diretora de Comunicações Internas do GEAS Brasil
Revisão: Iago Junqueira - Parceiro do GEAS BRASIL pela The Wild Place
Painel Selvagem de maio/2025
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ANDRADY, A. L. Microplastics in the marine environment. Marine Pollution Bulletin, v. 62, p. 1596-1605, 2011.
DIAS, P. S. et al. Persistent organic pollutants and stable isotopes in seabirds of the Rocas Atoll, Equatorial Atlantic, Brazil. Marine Ornithology, v. 46, p. 139-148, 2018.
MATOS, A. E. Panorama da contaminação por poluentes orgânicos persistentes em mamíferos marinhos da costa brasileira. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina. 2023. Dissertação (Oceanografia).
NASCIMENTO, I. R.; SENA, T. L. Biofilmes bacterianos: colonização e identificação de micro-organismos causadores de infecção em cateter venoso central. Brasília: Centro Universitário de Brasília. 2017. Relatório final de pesquisa de Iniciação Científica.
SIDDIQUE, A. et al. Microplastics and their role in the emergence of antibiotic resistance in bacteria as a threat for the environment. Environmental Chemistry and Ecotoxicology, v. 7, p.614-622, 2025.
VIRSEK, M. K. et al. Microplastics as a vector for the transport of the bacterial fish pathogen species Aeromonas salmonicida. Marine Pollution Bulletin, v. 125, p.301-309, 2017.
Comments