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Galo-da-serra: o espetáculo laranja nas arenas da floresta

O galo-da-serra (Rupicola rupicola), descrito por Linnaeus em 1766, é uma das espécies mais icônicas das florestas tropicais da América do Sul, destacando-se não apenas por sua plumagem vibrante, mas também por seus comportamentos complexos de corte e interações sociais sofisticadas. Pertencente à Família Cotingidae, essa espécie ocorre em regiões da Guiana, Venezuela, Suriname e áreas limítrofes da Amazônia, onde desempenha um papel crucial nos ecossistemas (KIRWAN; GREEN, 2011).


Fisicamente, os machos são inconfundíveis, apresentando uma coloração laranja intensa e um topete semicircular, que pode ser movimentado como um leque, chegando a cobrir o bico. Essa adaptação anatômica cria a ilusão de que a ave está olhando em uma direção diferente da real, o que pode confundir observadores e predadores. Além disso, o topete do macho é significativamente maior que o da fêmea, que, por sua vez, possui uma plumagem marrom-escura, garantindo-lhe uma camuflagem eficiente no ambiente florestal. Já os juvenis, nascem com uma coloração semelhante às fêmeas e, nos machos, começam a mudar para o laranja apenas no segundo ano de vida. Esse processo ocorre de maneira irregular e gradual, com manchas alaranjadas surgindo pelo corpo, tornando-se mais intensas até que atinja sua coloração definitiva. Por fim, aparecem os filamentos laranja brilhantes nas penas das asas, que contribuem para a aparência espetacular da espécie (KIRWAN; GREEN, 2011).


       

Legenda. Macho adulto de galo-da-serra. Fonte: TRIVELATO, G. P. (2012). [WA857046, Rupicola rupicola (Linnaeus, 1766)]. Wiki Aves - A Enciclopédia das Aves do Brasil. Disponível em: <http://www.wikiaves.com/857046> Acesso em: 27 Mar 2025.


Legenda. Fêmea adulta de galo-da-serra. Fonte:DAFFONSECA, J. A. (2018). [WA3120802, Rupicola rupicola (Linnaeus, 1766)]. Wiki Aves - A Enciclopédia das Aves do Brasil. Disponível em: <http://www.wikiaves.com/3120802> Acesso em: 27 Mar 2025.


Legenda. Juvenil de galo-da-serra. Fonte: ALMEIDA, C. B. (2015). [WA1962515, Rupicola rupicola (Linnaeus, 1766)]. Wiki Aves - A Enciclopédia das Aves do Brasil. Disponível em: <http://www.wikiaves.com/1962515> Acesso em: 27 Mar 2025.


O comportamento de corte do galo-da-serra é um dos aspectos mais estudados da espécie, uma vez que envolve exibições impressionantes nos chamados leks, caracterizados por serem áreas de acasalamento, limpas de folhas e galhos, nas quais os machos realizam performances elaboradas para atrair as fêmeas (GILLIARD, 1962). Durante essas exibições, os machos utilizam danças e vocalizações para atraí-las, enquanto suas penas modificadas realçam sua exuberância. Em algumas observações realizadas no sul da Guiana, notou-se que as fêmeas se aproximam dos machos e, em alguns casos, mordiscam suas penas secundárias enquanto os machos mantêm posturas estáticas no solo. Esse comportamento foi interpretado como preliminar ao acasalamento, embora a cópula em si tenha sido raramente documentada em campo (SICK, 1971). Além disso, estudos demonstram que os machos dominantes ocupam posições centrais nos leks, enquanto os subordinados permanecem em áreas periféricas, evidenciando um sistema hierárquico bem estruturado (SNOW, 1971).  Além disso, alguns leks podem ser mantidos por décadas, e os machos mais experientes apresentam performances mais elaboradas, sugerindo uma relação entre idade, experiência e sucesso reprodutivo (KIRWAN; GREEN, 2011).


Legenda: Arena (lek) de galo-da-serra (Rupicola rupicola, Guianian-cock-of-the-rock) Fonte: Hiram Pereira. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=B-jJ--Isars

Em relação à reprodução, a fêmea desempenha um papel central na construção dos ninhos, utilizando saliva para fortalecer o barro, garantindo maior aderência às superfícies rochosas, nas quais os ninhos costumam ser fixados (SNOW, 1971). O período de incubação dura entre 27 e 28 dias, com ovos geralmente postos entre os meses de março e abril. No entanto, a sobrevivência da espécie enfrenta desafios significativos, em virtude da alta taxa de mortalidade ocasionada pela predação dos filhotes por mamíferos e aves de rapina (KIRWAN; GREEN, 2011). A reprodução em cativeiro também apresenta desafios consideráveis, como baixas taxas de fertilidade dos ovos e dificuldades na alimentação dos filhotes, o que reforça a importância da conservação da espécie em seu habitat natural (COLLAR  et al., 2021).


Legenda. Ninho e fêmea de galo-da-serra. Fonte: CIPRIANI, R. N. (2017). [WA2673146, Rupicola rupicola (Linnaeus, 1766)]. Wiki Aves - A Enciclopédia das Aves do Brasil. Disponível em: <http://www.wikiaves.com/2673146> Acesso em: 27 Mar 2025.


No que se refere a hábitos alimentares, a dieta do galo-da-serra é considerada predominantemente frugívora. Análises realizadas em locais de nidificação e exibição revelam que mais de 70% dos frutos consumidos pertencem às famílias Araliaceae, Burseraceae, Palmae e Lauraceae, reforçando a importância das árvores frutíferas da floresta para sua sobrevivência (SNOW, 1971). Além disso, essa espécie desempenha um papel essencial na dispersão de sementes, contribuindo significativamente para a regeneração da vegetação tropical (TERBORGH et al., 1990). Entretanto, mudanças climáticas e alterações na disponibilidade de frutas podem impactar diretamente a densidade populacional da espécie, tornando essencial o monitoramento do ambiente em longo prazo (MARINI et al., 2020). Além das observações na natureza, o comportamento social do galo-da-serra também tem sido estudado em cativeiro, revelando aspectos importantes sobre sua interação fora do habitat selvagem. Pesquisas demonstram que os machos, mesmo em ambientes confinados, mantêm uma hierarquia social bem definida, mas a ausência de fêmeas pode alterar significativamente suas interações (BIBEN, 1990).


Apesar de sua resiliência, o galo-da-serra enfrenta ameaças crescentes, principalmente devido à destruição de seu habitat, a caça e ao tráfico ilegal para comércio de aves ornamentais. A população global ainda não foi quantificada, sendo descrita como incomum e de distribuição irregular (STOTZ et al. 1996). Estima-se que, ao longo de três gerações (aproximadamente 10 anos), a espécie perca entre 5,8% e 6,1% de seu habitat adequado, devido ao desmatamento na Amazônia, conforme modelos preditivos (IUCN, 2016). Diante desse cenário, suspeita-se que sua população possa sofrer uma redução inferior a 25% nesse período. Essa tendência reforça a preocupação com a conservação da espécie, destacando a necessidade de medidas para mitigar a perda de habitat e garantir sua sobrevivência a longo prazo. No entanto, em 2016, a espécie foi avaliada pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN como “Pouco Preocupante”, evidenciando que, apesar das ameaças, sua população ainda se mantém relativamente estável.


Em resposta aos desafios ambientais, as iniciativas de conservação foram aprovadas, incluindo projetos de proteção dos leks e monitoramento populacional. Além disso, algumas comunidades locais têm promovido o ecoturismo como alternativa sustentável, que, além da fonte de renda, incentiva a conservação da espécie e do meio ambiente (KIRWAN; GREEN, 2011).


Diante de todos esses fatores, o galo-da-serra destaca-se como uma espécie fascinante, não apenas por sua beleza e comportamento único, mas também por seu papel ecológico fundamental nas florestas tropicais. Seus complexos rituais de corte, sua dieta especializada e sua forma peculiar de construção de ninhos evidenciam um nível avançado de adaptação ao ambiente. No entanto, as crescentes ameaças ao seu habitat tornam indispensáveis estudos contínuos, tanto para assegurar a sobrevivência da espécie quanto para ampliar o conhecimento sobre sua biologia e ecologia, permitindo a implementação de estratégias eficazes de conservação.


Autor/a: Milena Neumann - Vice-diretora de Difusão e Extensão  do GEAS Brasil

Revisão: Iago Junqueira - Parceiro do GEAS BRASIL pela The Wild Place

Painel Selvagem de abril/25


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BIBEN, M. Social behavior of the Guianan Cock-of-the-rock (Rupicola rupicola) in captivity. Zoo Biology, v. 9, n. 3, p. 223–232, 1990. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/zoo.1430090305.

BIRDLIFE INTERNATIONAL. Rupicola rupicola. Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN, 2016: e.T22700971A93807320. Disponível em: https://dx.doi.org/10.2305/IUCN.UK.2016-3.RLTS.T22700971A93807320.en. Acessado em 27 de março de 2025.

COLLAR, N.; KIRWAN, G. M.; DEL HOYO, J. Guianan Cock-of-the-rock (Rupicola rupicola). Handbook of the Birds of the World Alive. Lynx Edicions, 2021.

GILLIARD, E. T. On the breeding behavior of the Cock-of-the-Rock (Rupicola rupicola). Bulletin of the American Museum of Natural History, v. 124, n. 2, p. 31-68, 1962.

KIRWAN, G. M.; GREEN, G. Cotingas and Manakins. Princeton University Press, 2011.

MARINI, M. Â.; BARBET-MASSIN, M.; JIGUET, F. Climate change and habitat loss are projected to drive declines in Amazonian birds. Diversity and Distributions, v. 26, n. 6, p. 678-692, 2020.

SICK, H. Notes on the biology of the Cock-of-the-rock (Rupicola rupicola). Journal für Ornithologie, v. 112, n. 3, p. 323–333, 1971.

SNOW, D. W. Observations on the breeding biology of the Cock-of-the-rock (Rupicola rupicola). Journal of Natural History, 1971.

STOTZ, D. F.; FITZPATRICK, J. W.; PARKER, T. A.; MOSKOVITS, D. K. Aves Neotropicais: Ecologia e Conservação. University of Chicago Press, Chicago, 1996.

TERBORGH, J. et al. Seed dispersal by birds in Amazonian forests. Biotropica, v. 22, n. 2, p. 136-147, 1990.

 
 
 

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