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Do venenoso ao valioso: O papel do monstro-de-gila no desenvolvimento do Ozempic®.

Ozempic®, Mounjaro® e Wegovy® - muito se sabe sobre as canetas emagrecedoras usadas no tratamento de obesidade e diabetes, entretanto, pouco se conhece acerca do animal por trás desse fenômeno farmacêutico, os

monstros-de-gila (Heloderma sp.). Estes répteis pertencem à Família Helodermatidae e à Ordem Squamata, com cinco espécies existentes: Heloderma alvarezi, H. charlesbogerti, H. exasperatum, H. horridum e H. suspectum. Seu nome faz referência à região do rio Gila, onde a espécie é encontrada, abrangendo o sudoeste dos Estados Unidos e o norte do México. Trata-se de um lagarto robusto que pode atingir até 50 centímetros de comprimento, com coloração característica pela alternância de manchas ou faixas negras e tons rosados, além de escamas. Possuem uma dieta carnívora, consistida em pequenos mamíferos, ovos e aves, e sua cauda e região abdominal contém gordura acumulada, que servem como reserva energética para os meses frios. São um dos poucos lagartos venenosos do mundo, sendo capazes de aplicar mordidas prolongadas enquanto o veneno é injetado na presa. Esse veneno neurotóxico é produzido por glândulas localizadas na mandíbula inferior e conduzido até os dentes através de sulcos. Apesar do mecanismo eficiente de envenenamento, acidentes graves com humanos são pouco frequentes, e mortes são raras (KOLUDAROV et al., 2014).



Figura 1. Heloderma suspectum, conhecido popularmente como monstro-de-gila. Fonte: Suspectum Do Monstro/Heloderma De Gila Foto de Stock - Imagem de arizona, mojave: 28056064


Mas em que momento o monstro-de-gila passou a ser estudado? Na década de 80, o bioquímico americano com predileção por herpetologia, John Pisano, trabalhava com o veneno do monstro de gila, juntamente com o gastroenterologista Jean-Pierre Raufman. Na década seguinte, Pisano, Raufman e o endocrinologista John Eng conseguiram identificar uma molécula análoga à hormônio, que chamaram de exendina-4. Esta molécula estimula a secreção de insulina por meio da ação no mesmo receptor do GLP-1 (Glucacon-like peptide). Durante os estudos, perceberam que a exendina-4 não era metabolizada rapidamente pelo corpo e, portanto, poderia ser útil como um tratamento para diabetes. Apesar dos efeitos promissores, as empresas farmacêuticas não julgavam de bom tom distribuir uma substância advinda do veneno de lagarto, dificultando a patenteação do fármaco. Entretanto, Eng e Raufman convenceram a empresa farmacêutica americana Amylin Pharmaceuticals©  a patentear o produto e, a partir da parceria empresarial, os efeitos da exendina-4 em seres humanos foram comprovados. Em 2005, a FDA (Food and Drug Administration) aprovou a exendina para distribuição comercial sob o nome de Byetta®. Dessa maneira, fez-se o alicerce para o aprimoramento e uso em massa de remédios como o Ozempic®.

Nesse sentido, o veneno do monstro-de-gila tornou-se o centro de diversas pesquisas da indústria farmacêutica. A exendina-4, isolada do veneno de Heloderma suspectum, é um agonista peptídico do receptor do peptídeo semelhante ao glucagon (GLP) que promove a secreção de insulina. Além disso, tem sido clinicamente usada para tratar diabetes tipo 2 e para aumentar a secreção plasmática de insulina (DEANE, A. M. et al., 2010). Ademais, o veneno deste réptil também foi categorizado em outras características proteômicas farmaceuticamente importantes como mostrados na tabela a seguir:


Fig 2. Tabela das covariáveis ambientais usadas para modelação adequada de habitatspara monstros-de-gila no deserto de Mojave usando modelagem de conjunto. Todas as camadas foram dimensionadas para uma resolução de 250 m para modelagem de habitat. Fonte: htpp//doi:10.1002/ece3.71008


Apesar da grande relevância médica, esses animais estão classificados como “Quase Ameaçados” pela Lista Vermelha da IUCN (International Union of Conservation Of Nature),em decorrência da degradação do habitat natural e do tráfico dessa espécie. Entretanto, a organização quantitativa da população exata torna-se difícil, em virtude dos hábitos subterrâneos da espécie, o que torna extremamente dificultoso a pesquisa dos espécimes e da estimativa sob a distribuição geográfica precisa e quantificação populacional (HROMADA, S. J. et al., 2025). No território brasileiro, há 2 indivíduos Helodermas spp. que foram trazidos ao Brasil ilegalmente, resgatados pelo IBAMA e posteriormente levados ao Instituto Butantã, onde vivem atualmente no Museu Biológico. Materiais de educação ambiental são produzidos pelo Instituto para o público infantil entender mais sobre esses animais e que, apesar do nome, não são monstros.


Fig 3. Livreto “Bicho do Mês”, do Instituto Butantã, de atividades de educação ambiental. Edição de agosto de 2020 sobre o monstro-de-gila.Fonte: Site do Instituto Butantã. MONSTRO-DE-GILA


A relação entre o monstro-de-gila e os avanços no tratamento da Diabetes tipo 2 e da obesidade ilustra como espécies pouco conhecidas podem guardar soluções valiosas para desafios de saúde humana. Contudo, a escassez de estudos sobre sua ecofisiologia e distribuição, aliada à degradação de seus habitats, evidencia um risco maior: a possibilidade de perdermos tais espécies antes mesmo de compreender todo o potencial que carregam. Esse exemplo ressalta que, ao ameaçarmos a biodiversidade, não colocamos em risco apenas o equilíbrio ecológico, mas também descobertas científicas que poderiam transformar a medicina, a biotecnologia e outras áreas do conhecimento. Assim, é urgente refletir que cada espécie perdida significa também um campo de oportunidades que jamais conheceremos.

 

Autora: Denise Pereira Gomes Figueiredo - Trainee da Diretoria de Linguagens e Acessibilidade  do GEAS Brasil

Revisão: Iago Junqueira  - Parceiro do GEAS BRASIL pela The Wild Place

Painel Selvagem de Agosto/2025

 

Referências Bibliográficas:

KOLUDAROV, I.; JACKSON, T. N.; SUNAGAR, K.; NOUWENS, A.; HENDRIKX, I.; FRY, B. G. “Fossilized venom: the unusually conserved venom profiles of Heloderma species (beaded lizards and gila monsters).” Toxins vol. 6,12 3582-95. 22 Dec. 2014, doi:10.3390/toxins6123582

DEANE, A. M.; CHAPMAN, M. J.; HOROWITZ, M. The therapeutic potential of a venomous lizard: the use of glucagon-like peptide-1 analogues in the critically ill. Critical Care, v. 14, n. 5, p. 1004, 2010.

HROMADA, S. J.; JONES, J. L., STALKER, J. B.; WOOD, D. A.; VANDERGAST, A. G.; Tracy, C. R., GIENGER, C. M., & NUSSEAR, K. E. (2025). Climate and Dispersal Ability Limit Future Habitats for Gila Monsters in the Mojave Desert. Ecology and Evolution, v. 15, n. 3, mar. 2025. doi:10.1002/ece3.71008

FURNESS, Sebastian. The rise of Ozempic: how surprise discoveries and lizard venom led to a new class of weight-loss drugs. The University of Queensland - Faculty of Medicine, Queensland, 2 de abril. de 2024. Disponível em: <https://medicine.uq.edu.au/article/2024/04/rise-ozempic-how-surprise-discoveries-and-lizard-venom-led-new-class-weight-loss-drugs> . Acesso em: 6 de ago. de 2025.

NATIONAL INSTITUTE ON AGING. Exendin-4: From lizard to laboratory...and beyond. National Institute on Aging, Estados Unidos, 11 de jul. de 2012. Disponível em >Exendin-4: From lizard to laboratory...and beyond | National Institute on Aging<. Acesso em: 6 de ago. de 2025.

WINKLER, Rolfe.; COHEN, Ben. Monster Diet Drugs Like Ozempic Started With Actual Monsters - Studies of Gila monsters and Anglerfish laid the groundwork for today’s blockbusters.Walt Street Journal, Estados Unidos, 23 de jun. 2023. Disponível em <https://www.wsj.com/health/pharma/ozempic-mounjaro-gila-monster-anglerfish-8c9c1ff2>. Acesso em: 7 de ago. de 2025..‌

 

 

 


 
 
 

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