O uso de opioides na analgesia de aves de rapina: um mundo a se explorar
- Amanda de Castro
- há 1 dia
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A avaliação e métodos de tratamento da dor em rapinantes (espécies pertencentes às ordens Falconiformes, Accipitriformes e Strigiformes), como o uso de opiodes, ainda é pouco explorada na literatura científica em todo o seu potencial de pesquisa, em especial quanto à ordem Strigiformes, sendo que a maior parte dos estudos desenvolvidos abrange espécies das ordens Accipitriformes e Falconiformes (MAZOR-THOMAS, MANN, KARAS & TSENG, 2014; D’OVIDIO, NOVIELLO & ADAMI, 2015).
Os medicamentos opioides agem através de sua habilidade de se ligar a receptores opioides centrais e, ocasionalmente, periféricos (LIERZ & KORBEL, 2012). Apesar de mamíferos e aves possuírem receptores opioides δ, κ e μ em proporções semelhantes, os receptores κ parecem possuir importância crítica na analgesia de aves de maneira geral (LARIOS & MADERA, 2019). Desse modo, o butorfanol, que age como agonista nos receptores κ e antagonista de receptores μ, tem sido o medicamento analgésico mais usado em protocolos de sedação e analgesia nesses animais (MASSONE, 2011; SILVA et al., 2017), embora possa atingir um “efeito-teto”, depois do qual o aumento da dose não fornecerá maior efeito analgésico (HAWKINS & PAUL-MURPHY, 2011). Lierz & Korbel (2012) alegam, entretanto, que o butorfanol pode causar depressão respiratória e redução da motilidade gastrointestinal em falcão-gerifalte (Falco rusticolus). Riggs et al (2008), em um estudo incluindo búteos-de-cauda-vermelha (Buteo jamaicensis) e corujões-orelhudos (Bubo virginianus), chegaram a uma meia-vida de 0,93 e 1,78 horas para cada espécie, respectivamente, seguido à administração de 0,5 mg/kg de butorfanol IV. Para a administração da mesma dose por via intramuscular, os valores encontrados foram de 56 minutos e 24 segundos (0,94 horas) e 1 hora, 50 minutos e 24 segundos (1,84 horas), respectivamente. O mesmo estudo encontrou valores mais elevados de concentração plasmática de butorfanol nos corujões-orelhudos quando comparados com os valores encontrados em búteos-de-cauda-vermelha, fato que o autor relacionou à frequência cardíaca mais alta dos búteos.
Lopes (2022), em um trabalho utilizando dezesseis corujinhas-do-mato (Megascops choliba), avaliou respostas a estímulos ambientais, duração dos efeitos anestésicos e analgésicos e monitoração dos parâmetros fisiológicos no uso isolado de midazolam intranasal em comparação à sua associação com butorfanol intranasal. O estudo concluiu que a associação dos fármacos não promoveu efeitos vantajosos quanto à duração e intensidade, e houve redução significativa da frequência cardíaca, frequência respiratória e temperatura cloacal em ambos os grupos. O fato da associação de midazolam e butorfanol ter sido melhor sucedido em calopsitas (Nymphicus hollandicus) (DOSS et al., 2018), sugere que as diferenças na metabolização e efeitos anestésicos entre as espécies de aves precisa ser melhor explorada.
O tramadol também é utilizado em protocolos anestésicos para rapinantes (DE JESUS, 2021; SOUZA et al., 2009), pois apesar de possuir baixa afinidade por receptores μ, seu mecanismo de ação envolve a inibição de outros neurotransmissores, de forma a agir como α2-agonistas em termos de controle de dor (LARIOS & MADERA, 2019). É importante ressaltar que os efeitos fisiológicos e clínicos do uso de opioides podem ser afetados por um número considerável de variáveis, como fatores individuais, via de administração e preparação comercial do fármaco (HAWKINS & PAUL-MURPHY, 2011).
Além das substâncias opioides, os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) também possuem uso frequente na analgesia de aves no geral, a exemplo do meloxicam, que age no controle da dor inflamatória, entretanto, apresenta os mesmos efeitos renais e gastrointestinais em aves, como visto nos mamíferos, devendo ser utilizado com cautela. O meloxicam pode apresentar efeitos nefrotóxicos durante períodos de hipotensão (GRESPAN & ROSA, 2014; GUZMÁN et al, 2023), não sendo recomendado seu uso como agente pré-anestésico. Sendo assim, esse agente atua como um bom método de controle da dor pós-operatória (LARIOS & MADERA, 2019).
De forma geral, estudos a respeito do reconhecimento e manejo da dor em espécies silvestres e exóticas vêm sendo desenvolvidos com cada vez mais frequência (LIERZ & KORBEL, 2012; LUDDERS, 2017). Dessa forma, é imprescindível reconhecer a sua importância para o avanço da prática clínica veterinária e progredir ainda mais a busca de conhecimento nessa área.
Autor/a: Amanda de Castro - Vice-Diretora de Comunicações Internas do GEAS Brasil
Revisão: Iago Junqueira - Parceiro do GEAS BRASIL pela The Wild Place
Painel Selvagem de Fevereiro/2025
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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