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Condicionamento em Animais de Zoológicos

Foto do escritor: Bruna Maria SarriBruna Maria Sarri

Há milhares de animais selvagens que vivem atualmente em cativeiro, seja por perda de seu habitat natural, ações antrópicas ou até mesmo para fins conservativos e reprodutivos, e por isso tem crescido o interesse das instituições e profissionais que os mantém em implantar medidas que melhorem suas condições de vida em ambientes controlados e proporcionem bem-estar animal aos mesmos. Entretanto, para melhorar suas condições de vida e manejo é necessário entender como cada espécie e indivíduo responde aos estímulos ambientais, nutricionais e sociais que recebe e como isso interfere em sua fisiologia e principalmente comportamento, que se modula para tentar atender aos requisitos básicos para sua sobrevivência.

Constantemente os animais recebem estímulos externos, que são captados e interpretados por seus órgãos dos sentidos e, na maior parte do tempo estes animais conseguem lidar com essa carga de estímulos recebida. Todavia, quando tais estímulos passam a sobrecarregar o animal eles se tornam estímulos estressores, deixando de ser saudável e podendo levar a padrões de comportamento estereotipados. Esse tipo de comportamento é tido, geralmente, como uma resposta repetitiva a determinados estímulos, como andar de um lado para o outro do recinto durante muito tempo, forrageamento mesmo sem sentir fome, ingestão de água em excesso, automutilação, morder grades, entre outros, e pode acontecer devido a falta de interações sociais ou estímulo cognitivo adequados.

Estudos comprovam que a utilização de enriquecimento ambiental e técnicas de condicionamento comportamental podem ajudar a melhorar o bem-estar e reduzir ou evitar os comportamentos estereotipados nesses animais selvagens, principalmente devido ao viés psicológico agregado às atividades realizadas. Esses exercícios desenvolvidos, fazem uso de métodos de aprendizagem, que se baseiam em uma modulação comportamental resultante de prática e experiência (treinamento), buscando uma adaptação, raciocínio lógico e também atividades físicas, ambas contribuindo para evitar o ócio e desenvolver a parte cognitiva desses indivíduos.

Quando abordamos as formas de aprendizagem, há dois tipos principais: o condicionamento clássico e o condicionamento operante. O condicionamento clássico, se baseia na teoria de que ao se associar repetidamente um estímulo neutro, com um estímulo incondicionado (ambiental), é possível fazer com que o animal apresente uma resposta (eliciamento) ao estímulo neutro, sem precisar do estímulo incondicionado. Por exemplo, o animal pode associar o barulho da campainha com o oferecimento do alimento e irá salivar, mesmo que o alimento não esteja presente, sendo sua resposta condicionada como um reflexo imediato, sem necessidade que ele pense. Entretanto esse tipo de resposta não podia ser sustentada por muito tempo, o que levou outros pesquisadores e desenvolverem novas teorias a respeito do condicionamento comportamental.

Entre os pesquisadores estava Skinner, que desenvolveu o chamado condicionamento operante, que se baseia no conceito de que para cada estímulo há uma resposta, que exige que o animal pense para executá-la. Essa resposta também culmina em uma consequência, que é seguida da resposta que o animal apresenta ao estímulo, por exemplo, se o animal executar uma ação proposta pelo treinador de maneira correta ele recebe uma recompensa, que é tida como um reforço positivo para a resposta, o que faz com que ele aumente ou reduza a frequência dependendo dos resultados obtidos.

As técnicas de condicionamento operante são amplamente utilizadas na atualidade, principalmente em zoológicos e instituições que lidam com reabilitação e soltura, entretanto, é necessário saber aplicá-las corretamente, distinguindo um reforço de uma punição. Quando desejamos estimular a manifestação de certo comportamento utilizamos um reforço, tanto primário (alimentos, agrados, entre outros), quanto secundário (clickers e apitos que sinalizam para a recompensa primária), mas quando desejamos diminuir a frequência ou evitar algum comportamento indesejado, utilizamos uma punição, ou seja, o animal não recebe uma recompensa pelo comportamento demonstrado. É necessário entender também que a punição não é causar dano físico ou mental ao animal e sim a ausência de recompensa diante de, por exemplo, um comportamento agressivo, ou quando o animal ignora um comando e até mesmo quando exerce um comportamento que não foi solicitado pelo treinador.

Para estabelecer um programa de condicionamento comportamental com determinado animal é necessário levar em consideração fatores como: histórico, espécie, sexo, idade, ambiente (recinto), estado mental e estado de saúde, especificidades comportamentais da espécie e segurança, tanto para o treinador quanto para o animal em questão. Ademais, é necessário saber diferenciar o que é um reforço positivo ou aversivo para aquele animal, conhecer a hora do dia em que ele se mostra mais receptivo à aprendizagem associativa, saber identificar comportamentos típicos de quando o animal está estressado e quando ele está confortável e realizar um treinamento de capacitação para os treinadores do local, priorizando habilidades como observação, atenção, disposição e paciência.

Quando aplicado corretamente, o condicionamento animal pode ser extremamente benéfico, principalmente por ser uma atividade onde a participação do animal é voluntária e, quando ele participa, pode melhorar sua afinidade com o treinador, o tornando mais receptivo e menos agressivo ao manejo, além de gerar estímulos físicos e mentais através dos desafios apresentados aos mesmos, diminuindo os riscos do animal apresentar comportamentos estereotipados. Ademais, um dos usos mais difundidos para o condicionamento é o direcionado para a realização de exames médicos e administração de medicações, que reduz a necessidade de contenções físicas e químicas que podem gerar estresse, entre diversos riscos. Nesse tipo de condicionamento o animal é treinado para apresentar diversas áreas de seu corpo para o treinador em troca de recompensas prazerosas, que geralmente são alimentos, podendo ser utilizada para realizar ausculta cardíaca e pulmonar, punção venosa, inspeção corpórea para identificar alterações morfológicas, ultrassonografia, radiografia, injeções, entre outros.

A aplicação do condicionamento operante em zoológicos brasileiros vem crescendo nos últimos anos, a exemplo de organizações e instituições internacionais, como a Associação Americana de Zoológicos e Aquários (AZA), que além de utilizar o condicionamento para as finalidades mencionadas, também faz uso deste como ferramenta para reprodução e conservação de espécies ameaçadas de extinção, sendo possível realizar coletas de sêmen e inseminação artificial em animais bem condicionados. Muitas pesquisas, visando o aprimoramento das técnicas mencionadas vêm sendo desenvolvidas, principalmente no Brasil, sendo a maioria voltada para primatas, que necessitam de muita interação social, com relatos também de utilização em aves (de rapina e psitacídeos), canídeos (lobo-guará), girafas, entre outros. Por fim, é esperado que a utilização de condicionamento animal continue crescendo entre os profissionais da área e que seja continuamente renovado através do meio acadêmico e manejo diário dos animais, trazendo maior bem-estar e conforto para os animais selvagens mantidos em cativeiro.


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